domingo, 22 de junho de 2014

Fazer música não é para os fracos

Quem começa a se apaixonar por música e enveredar por tocar algum instrumento faz isto guiado pela paixão, pela beleza dos sons produzidos por um instrumento, ou até mesmo pela imagem passada por isto.

A visão de um guitarrista virtuoso, de qualquer pessoa que domine bem seu instrumento é bela, enche os olhos. Esta imagem, envolta pelo som produzido pela pessoa e seu instrumento se torna ainda mais bonita. Paganini impressionava platéias, grande virtuoso, seu talento derivava de “poder satânico”, assim era muito falado sobre ele.  Beethoven, “gênio”, até hoje é venerado.  Jimi Hendrix, o ícone de uma geração de guitarristas performáticos, sua performance no palco e sua técnica que trouxe inovações o levou ao patamar de “melhor guitarrista do mundo”. Hendrix quando tocava, fundia-se com sua guitarra.
Bons instrumentistas encantam, passam admiração. A música é tão incrível que o ato de tocar um instrumento, de produzir uma boa música é visto por muitos como uma habilidade para poucos, um “dom”. A natureza tem seus próprios sons, o canto dos pássaros junto com o balançar das folhas e o barulho da queda das águas formam sons únicos, mas produzir música não é uma coisa simples.
Quando quis enveredar pela música e aprender a tocar violão e guitarra fui movida por aquela velha admiração. Achar o som do violão bonito, sentir o arrepio ao ouvir incríveis solos de guitarra, e pela própria “imagem cool” da música.  Quem começa a escutar rock sabe o quanto a “imagem” do rock parece ser impressionante, tocar guitarra passa a ser uma coisa que vai lhe dar um “poder” uma imagem legal, mas isto não só no rock.
O inicio do aprendizado de um instrumento é árduo, seu cérebro parece não estar coordenando seus membros da forma correta, e a música que parecia ser tão bela, quando tocada por você numa tentativa iniciante e limitada se torna um horror. A sensação de incapacidade, na fase inicial ás vezes se torna quase impossível de não ser sentida. Por essa fase só passa os que realmente sentiram “o chamado” da música, pois a dificuldade exige muitas horas  do seu tempo, e essas horas de dedicação só são encaradas sob a visão de futuramente tocar aquelas melodias tão desejadas.
O desafio do inicio é o que torna a música ser encarada por muitos como coisa de quem tem “dom”. Com certeza você já deve ter conhecido alguém que disse que começou a tocar algo mas não foi á frente, não se deu bem porque “não tinha o dom e deixou pra lá”. Desculpa, pura desculpa. Acredito que existem sim pessoas que tem mais facilidade, que são melhores em compor, tem uma sensibilidade maior, assim como há pessoas que cantam muito bem sem fazer aulas de canto, e outras (como eu) cantam tão mal que talvez não consiga nem com aulas. Mas tenho a impressão que quando muitas pessoas vêem músicos virtuosos, daqueles que impressionam mesmo, pensam que um belo dia eles simplesmente acordaram tendo incorporado um espírito from hell, pegaram o instrumento e começaram a tocar  e compor inacreditavelmente.
A música é cruel e individualista, se você quer ser grande precisa dedicar muito da sua vida, alguns meses tendo se afastado dela, e seu instrumento (ou instrumentos) irá lhe detonar. Pra quem almeja um bom desempenho, o estudo da música se torna uma obrigação, e toda obrigação se torna uma tortura quando não direcionada a algo de muita paixão. Aqueles que falam que tocar um instrumento (violão no caso, por ser mais popular) é fácil, estão mentindo. Ou mentiram ou só tocam Legião Urbana nos almoços de Domingo.
A música é uma terapia, pra quem realmente gosta é um prazer, um alivio, mas nem sempre é assim. A música muitas vezes para mim se tornou um martírio. “não quero tocar hoje, mas tenho que tocar todos os dias”, “hoje eu não estou com vontade, mas tenho que treinar meu ouvido sempre se não minha percepção musical vai pro brejo”. São dilemas que vários (não direi todos) músicos ou aspirantes a músicos sofrem. Quando isto começa a acontecer, vai abrindo os olhos se não a música se torna um fardo na sua vida. Todas essas coisas impulsionadas por aquela técnica que você vem há dias tentando fazer e não consegue, ou por aquela criança de oito anos que toca muito melhor do que você.
Em algum lugar vi uma entrevista de um pianista, ou pode ter sido simplesmente um conto que li por aí, não me lembro. O pianista fez um concerto e ao final uma senhora foi falar com ele e falou:

- Caramba, eu teria dado minha vida pra tocar assim como você.

No que ele respondeu:

- É, você teria dado, eu dei a minha.

O que vou falar pode ser meio clichê, mas...
A música exige, mas o prazer de executar aquela música tão desejada, de ver uma composição ou um arranjo próprio, esmaga os dias solitários com o instrumento, a falta de paciência  com coisas que não conseguiu fazer e ás vezes o sentimento de fracasso.
Acho que perdi um pouco da grande visão que tinha nos primeiros dias de aprendiz. Talvez o sonho de tocar como Jason Becker e de fazer trilhas sonoras de games fantásticas como as de Yuzo Koshiro pareçam, ao contrário de antes, sonhos daqueles inalcançáveis. Talvez eu tenha sido um pouco atingida pelo peso da música, mas ela não vai me fazer “pedir pra sair”.
Fazer música não é para os fracos. E as cordas da minha guitarra continuarão lutando para não serem domadas e eu continuarei tentando fazer música mesmo que para isso seja necessário seguir o lema de uma das músicas dos Titãs:


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