Três vezes ao dia a enfermeira Rose entrava na salinha e punha uma bandeja com a comida no chão, acordava Marie que na maioria das vezes fingia estar dormindo:
- Hora do remédio...
Aquela voz patética da enfermeira a irritava tanto que ela sempre se via com as mãos no pescoço da moça a sufocá-la até não sentir nenhum sinal de vida.
- Abra a boca. E colocava o comprimido sobre sua língua.
- Agora tome toda a água...muito bem, você é uma mocinha muito comportada. Coma toda a comida que foi feita especialmente pra você.
Que vadia, Marie pensava. Como pode ser tão hipócrita.
O acolchoado de toda a sala estava mofado, e faltavam pedaços aqui e ali. À noite via ratos e baratas passando por entre as frestas. Os lençóis fediam a barata e mofo. Mal faziam limpeza no local, toda a sala fedia. A própria Marie fedia. Era tudo precário, a comida parecia à mesma que ela dava a um criador de porcos todos os dias no final do expediente quando trabalhava na lanchonete, os restos das mesas, o que sobrava na cozinha, tudo misturado formando uma massa quase homogenia que daria nojo em qualquer ser humano. Era com aquela mesma mistura que se parecia o que Marie era obrigada a engolir todos os dias. E mais ainda ela culpava a mãe por ter permitido que ela fosse parar ali, naquele hospício imundo.
Por precaução Marie nunca tomava o remédio, ela sempre punha o comprimido embaixo da língua e depois que a enfermeira saia ela o tirava da boca e enfiava com os dedos numa das aberturas do acolchoado da sala. Tinha medo de ficar realmente louca.
Domingo era dia de visita. Mas nem todos os domingos a família podia ir visitá-la. Mesmo assim a enfermeira a tirava da salinha e deixava a moça sentada num dos bancos do jardim do hospício. Era o único dia que respirava um pouco de ar puro, mesmo não sendo tão puro assim, pois o local era coberto por folhas e via-se excremento de alguns doentes que faziam suas necessidades ali mesmo. Também saia quando ia tomar banho, o que acontecia no período de dois em dois dias. O diretor decidiu assim pra não gerar transtorno e também para economizar, já que o que recebia era pouco para custear tantos loucos que nunca acabavam de chegar. Quase todos os dias recebiam um ou dois para habitar a pequena dependência.